A vida

"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos."

(Charles Chaplin)

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Fábula africana - O Anel Mágico

O Anel Mágico
Era uma vez uma pobre mulher de triste sina: perdera marido e filhos. Só lhe restava um, que era bom menino. Nele pusera todas as suas esperanças e queria-lhe muito bem.
Certo dia, o menino disse:
— Mãe, dê-me um pouco de pó de ouro. Quero ir comprar sal na aldeia à beira mar.
— Quanto quer? Perguntou-lhe a mãe.
— Um “asuane”, respondeu o menino, o que significava cerca de trinta gramas.
A mãe entregou-lhe sem discutir e ele partiu.
Pelo caminho, encontrou um homem que levava um cão para vender.
— Não podia ser eu o comprador do cachorro? Perguntou-lhe o menino, que gostava muito de animais e temia que aquele fosse cair nas mãos de um mal patrão.
Mas o homem respondeu:
— Não creio, porque este cachorro custa um asuane de pó de ouro.
— Grande coisa! Aqui está o pó de ouro.
E o menino ficou com o cão e voltou para casa.
A mãe admirou-se muito quando o viu de volta tão cedo e, ainda por cima, trazendo um cão.
— Por que não foi até a aldeia à beira mar para comprar sal, como disse?
— Porque, com o pó de ouro, o que comprei foi o cachorro.
Tomada de surpresa a mãe não encontrou palavras para objetar. Resignou-se, quer a perda do pó de ouro, quer a presença do cão, que seguia o dono como se fosse sua própria sombra.
— Passou-se algum tempo até que, certo dia, o menino disse de novo à mãe:
— Mãe, peço-lhe me dê mais um pouco de pó de ouro. Tenciono comprar mercadorias para me dedicar e ver se ganho o suficiente para lhe garantir uma velhice tranqüila.
— Espero que você não torne a fazer o mesmo que da outra vez!
— Garanto que não. Dê-me dois asuanes e ficará satisfeita comigo.
A mulher suspirou, resignada, e entregou ao filho o pó de ouro.
Ele, todo feliz pôs-se a caminho. Desta vez, ia decidido e ninguém iria demovê-lo de seu propósito: empregaria o dinheiro de maneira a fazê-lo render o dobro. Absorto nesses pensamentos, caminhara até uma certa distância de casa, quando deu de cara com um homem que levava ao colo um gato. Era o gato mais lindo que já vira e seus miados aflitos foram-lhe direto ao coração. Comovido, esqueceu num instante seus bons propósitos.
— Homem, quer vender-me esse gato? Propôs num impulso irresistível.
— Não, sirvo-me dele para comer os ratos que andam lá por casa. De mais a mais, você não poderia comprá-lo.
— O que o faz pensar que não posso?
— O preço é alto e você é uma criança; e, como todas as crianças, não há de ter muito dinheiro.
— Quanto pede por ele?
— Dois asuanes de pó de ouro.
— Aqui tem o pó de ouro: dê-me o gato.
Mortificado por ter desperdiçado tão depressa o seu dinheiro, o menino não encontrava jeito de voltar para casa. Bastava olhar para a carinha do gato e já voltava a sentir-se feliz.
Por fim, depois de muito hesitar, decidiu-se. A mãe, como da outra vez, surpreendeu-se por tê-lo de volta tão cedo. Ele teve de lhe dizer:
— Vi um gatinho tão lindo que não pude deixar de comprá-lo.
A mãe lançou-lhe um olhar de reprovação e exclamou:
— Filho ingrato! O que foi fazer?! Bem sabe que temos pouco dinheiro!
Porém, como já não havia remédio, mais uma vez resignou-se.
Passaram-se quarenta dias. E o menino, que estava ansioso por trabalhar, começou a dizer:
— Mãe, dê-me três asuanes de pó de ouro, que desta vez vou entrar para o comércio e todas as suas privações serão recompensadas.
— O dinheiro que eu tinha foi gasto: só me restam três asuanes, queixou-se ela, com tristeza.
Entregou-lhos, no entanto.
— Não se preocupe! Tranqüilizou o menino.
Na manhã seguinte, ao raiar do dia, tomou sua trouxa e o pó de ouro e pôs-se a caminho.
Ia bem perto de casa ainda, quando encontrou um caçador, que tinha na mão um pombo. Temeroso de que fosse acabar assado, o menino pensou em adquirir, e de poupar-lhe um fim tão trágico.
— Mas eu não quero vendê-lo, dizia o caçador.
— Peço-lhe, por favor, que me dê esse pombo.
— Você nem ao menos poderia comprá-lo, que ele vale muito.
— Quanto?
— Três asuanes de pó de ouro.
— Aqui tem o pó de ouro: dê-me o pombo.
Naturalmente, ao vê-lo chegar, a mãe ergueu desesperada os braços ao céu, bradando:


— Desta vez, estamos completamente arruinados!
O filho acabrunhou-se muito com o desespero da mãe e prometeu a si próprio que havia de encontrar um meio de recompensá-la de todos os sacrifícios que por ele fizera.
Certo dia, sentara-se a meditar, tristonho e cismarento, na soleira da porta. O pombo foi pousar em seu ombro.
— Acu, escuta!
O menino espantou-se, ao ouvir o pombo falando. E, ainda por cima, chamando-o pelo nome! Mas o pássaro não lhe deu tempo para pedir explicações.
— Quero que saiba, Acu, prosseguiu, falando-lhe ao ouvido, que eu, lá na minha terra, era o chefe mais poderoso. Estava me preparando para uma longa viagem, quando aquele caçador que você viu fez-me prisioneiro. E ter-me-ia matado, se você não me comprasse. Agora, peço-lhe que, por favor, leve-me de volta a minha aldeia. Terá a gratidão de todo o meu povo. 
Acu mantinha-se na desconfiança.
— Para mim, isso tudo é mentira. Está me contando essas lorotas por que o que quer é fugir daqui.
— Se não acredita em mim, prenda uma corda à minha pata e não me largue.
Assim fez Acu. Acompanhou-o passo a passo até sua aldeia, tendo-o seguro por uma pata, amarrada a uma corda bem comprida.
Ao avistarem a primeira casa da aldeia, foram vistos por duas crianças que por ali se entretinham com suas bolinhas de gude. Correram ao encontro do pombo, gritando:
— O chefe voltou! O chefe voltou!
Todos os homens e todas as mulheres da aldeia saíram de suas casas e, vendo Acu e o pombo, correram-lhes ao encontro.
Ao saber que Acu, para salvar o pássaro, entregara o último pó de ouro que possuía e que o acolhera em sua casa como a um amigo, todos, jovens e velhos, agradeceram-lhe de coração. E, seguindo o exemplo da rainha mãe, deram-lhe, cada qual, um saquinho de pó de ouro. O mais velho da tribo, além disso, tirou do dedo um anel e lho entregou, dizendo:
— Tome este anel. Qualquer que seja o desejo formulado terá poderes para satisfazê-lo. 

Chegado o momento da partida, Acu despediu-se do pombo e de seu povo, recolheu todo o pó de ouro e pôs-se a caminho da aldeia.
A mãe aguardava-o a porta e recebeu-o com estas palavras:
— Bem vindo seja, meu filho!
E ele, todo feliz, mostrou-lhe o pó de ouro e o anel.
— Agora, quero por à prova o poder deste anel, disse.
Saiu de casa e embrenhou-se pela mata adentro até que chegou ao coração da floresta, onde as árvores eram mais altas e copadas. Então, colocou o anel no chão e ordenou:
— Anel, livre esta zona que me cerca de toda vegetação.
E logo as árvores tombaram por terra, desenraizadas.
Acu voltou a ordenar:
— Anel, junte e queime, agora, tudo o que você extirpou.
Num abrir e fechar de olhos, as árvores e os arbustos amontoaram-se no meio da clareira recém aberta e incendiaram-se.
Por fim, Acu ordenou:
— Anel, construa agora muitas casas e chame muita gente para habitá-las.
Como que por encanto surgiram do solo muitas casas bonitas e logo uma população de gente jovem e forte veio ocupá-las.

Radiante de alegria, Acu nomeou a mãe rainha da nova cidade. E ele ficou sendo chefe da nova tribo.
Não muito longe da cidade de Acu, morava o chefe Ananse, aos ouvidos de quem chegou notícia daquela cidade privilegiada, prodigiosamente surgida no coração da floresta. Cheio de curiosidade, resolveu visitar Acu, para certificar-se pessoalmente daquele milagre.
Depois de muitas gentilezas, disse-lhe, todo sorridente:
— Lembro-me de quando você não passava de um menino muito pobre. Como e por que foi que sua sorte mudou tanto?
Acu, que era simples e sincero, contou-lhe toda história. E o visitante, invejoso, passou a cobiçar-lhe o poderoso anel. Soube, porém, dissimular perfeitamente seus sentimentos: despediu-se de Acu com inúmeras expressões de simpatia e voltou para sua aldeia.
O chefe Ananse tinha um sobrinho, que vivia com ele. Assim que chegou de viagem chamou-o para lhe dizer:
— Quero que se prepare para partir para cidade de Acu. Vai levar-lhe de presente este vinho branco. Trate de granjear sua amizade e, então, sem que ninguém veja, roube-lhe o anel.
O rapaz obedeceu. Apresentou-se a Acu oferecendo-lhe o vinho que o tio lhe mandava de presente. Acu agradeceu e convidou-o a hospedar-se em sua casa por três dias. 

O outro aceitou de bom grado. Naqueles três dias, conseguiu ganhar a confiança absoluta de Acu, tanto assim que este, na manhã do último dia, ao sair para o banho, tirou o anel e o deixou sobre a mesa.
Seu hóspede não perdeu tempo. Nem bem se pilhou só, apanhou o anel e abandonou a toda pressa o palácio, com destino à cidade do tio.
Ao ver-se de posse do anel, Ananse ordenou-lhe imediatamente que construísse uma cidade mais vasta e mais bela do que a de Acu. E, vendo satisfeito o seu desejo, sentiu-se feliz.
Entrementes, Acu, de volta do banho, dera pela falta do anel e do hóspede. Preocupado, fora consultar o gênio da floresta.
— Ananse mandou o sobrinho à sua casa exclusivamente para roubar. O rapaz fugiu, levando seu anel, e o tio fez surgir uma cidade mais vasta e mais bela do que a sua.
— Sinto muito por ter sido enganado... Mas, como poderia recuperar o meu anel? Perguntou Acu.
— Tem de mandar à cidade de Ananse seu cão Ocranan e seu gato Ocra. Somente eles poderão trazê-lo de volta.
Acu voltou às carreiras para casa e chamou o cão e o gato, a fim de prepará-los para a expedição. 

Nesse ínterim, porém, Ananse fora também, consultar o gênio e ficara sabendo que Acu dera instruções ao cão Ocranan e ao gato Ocra para que fossem em busca do anel.
Sem perda de tempo, providenciou uma porção de carne moída à qual misturou certo pozinho que tinha o poder de adormecer a quem dele provasse. E espalhou a carne pelo caminho que iriam percorrer o cão e o gato.
O gato Ocra e o cão Ocranan tinham-se posto já a caminho e tinham chegado à encruzilhada, onde a estrada se bifurcava. Sentiram ambos o cheiro de carne, fartamente esparramada na senda da esquerda.
Aquilo despertou logo a desconfiança do gato, ladino como ele só.
— Não me fio, não; vamos pelo caminho da direita.
O cão, porém, teimoso, atraído pela carne, tomou o da esquerda e atirou-se a ela com sofreguidão. Devorou-a em meia dúzia de bocados e caiu adormecido.
Nesse meio tempo, chegou o gato à cidade de Ananse e introduziu-se no quarto onde dormia o chefe. Sobre a mesa, num escrínio, estava o anel.
Ocra escondeu-se num canto e ficou à espera do momento oportuno. Vendo passar um ratinho, de um só pulo, o agarrou.
— Não me mate, implorava o animalzinho.
— Não o mato se me fizer um favor.
— Como não, até dois! Diga logo!
— Vê aquela caixinha ali em cima da mesa? Ananse esconde nela um anel que pertence a meu amo. Se for buscá-lo e o trouxer até aqui, está livre.

— Vou já!
De fato, o ratinho trepou na mesa e, sem perda de tempo, pôs-se à obra: roeu uma das paredes da caixa. Num instante, abriu um buraco tão grande, que entrou por ele com toda a facilidade. Pegou o anel e foi entregá-lo ao gato.
— Está livre, pode ir. Agradeço-lhe o favor que me fez, disse-lhe Ocra.
E saiu correndo, levando o anel. Em dois tempos, chegou ao local onde o cão se detivera e foi encontrá-lo ainda meio entorpecido.
— Como está? perguntou-lhe. E o que é feito de toda a carne que estava aqui?
— Não sei de nada, respondeu o cachorro. De minha parte, só agora estou me recobrando do mal estar que me acometeu.
O gato fingiu acreditar. E o cachorro, por sua vez, interrogou-o a respeito do paradeiro do anel. Ao saber que o gato o havia recuperado, disse:
— O rio que temos de atravessar está em plena enchente; como você deve atravessá-lo de um salto, pode acontecer que perca o impulso e deixe cair o anel; ao passo que eu, sendo bom nadador, podia encarregar-me de transportá-lo.
Assim falando, chegaram à margem do rio e o cachorro, com o anel na boca, atirou-se à água e saiu nadando. Quanto ao gato, de um pulo alcançou a margem oposta e ficou à espera do companheiro.  

O cão, pelo contrário, nem bem chegara a meio caminho, e já se sentia cansado. Abriu a boca para tomar fôlego e deixou cair nágua o anel. Quando chegou à margem, o gato perguntou-lhe por ele. E Ocranan, muito desenxabido, teve de admitir que fora parar no fundo do rio.
Imediatamente, o gato mergulhou nágua. Foi direto ao fundo do rio e, avistando um peixão, agarrou-o pelo rabo.
— Sabe, por acaso de um anel caído há pouquinho neste rio? perguntou-lhe.
O peixe abriu a boca e depositou na margem o anel.
Já nas proximidades da cidade de Acu, Ocranan, o cachorro, implorou a Ocra, o gato, que nada dissesse ao dono, de suas peripécias.
Todavia, ao chegarem em casa, saiu em disparada ao encontro de Acu e acusou o gato de todas as cretinices que ele próprio cometera.
Trabalho inútil, pois Acu já fora informado pelo gênio da floresta do que se passara. Por isso, disse:
— Você é um cão mentiroso. O que me conta como sendo bravura sua foi o gato quem fez. Por conseguinte, de hoje em diante guardarei o gato comigo aqui em casa e você, cão, ficará lá fora ao relento, exposto ao frio da noite.


Assim foi feito e assim acontece ainda hoje a todos os gatos, descendentes do gato Ocra e a todos os cachorros descendentes do cachorro Ocranan.

BIBLIOGRAFIA
Texto e imagens transcritos de:
FREIRE, Plinio Jucá. Fantasia Colorida da Criança. Ed. Focus, São Paulo-SP. 1990

Ps. Minha filha sempre adorou ouvir fábulas dessa enciclopédia. Adorava ouvir e ver as imagens. Imagino seus elaboradores fazendo tudo caprichosamente. Espero que mães e pais ainda se empolguem em comprar e em ler Fantasia Colodria da Criança para seus pequenos amores e futuros leitores!

8 comentários:

  1. Poucas colecoes lancadas no Brasil tiveram o esmero em sua preparacao como esta. Historias escritas em um portugues impecavel e uma apresentacao magnifica. Lembro com saudades quando meu pai lia as historas dessa colecao para nos antes de dormir. Infelizmente nao lembro como perdemos os livros mas e algo realmente precioso. Ha decadas nao lia essa historia e agradeco por compartilhar.

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  2. Ahhh... tenho essa coleção... li e reli tantas vezes na minha infância e adolescência... achei esse texto hoje, justamente por ter lembrado da história do gato Ocra ...

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    1. boa noite, ainda tem? o reino colorido da criança? não pensa em postar as historias? queria a da diligência dos doze meses, fico grata

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  3. Olá meu nome é Pedro Teixeira omoplata VC me ajudar

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  4. muito bom o texto me ajudou muito obrigado

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  5. obrigada pela postagem. Tem como publicar a diligencia dos doze meses?

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