O Anel Mágico
Era uma vez uma pobre mulher de
triste sina: perdera marido e filhos. Só lhe restava um, que era bom menino.
Nele pusera todas as suas esperanças e queria-lhe muito bem.
Certo dia, o menino disse:
— Mãe, dê-me um pouco de pó de
ouro. Quero ir comprar sal na aldeia à beira mar.
— Quanto quer? Perguntou-lhe a
mãe.
— Um “asuane”, respondeu o
menino, o que significava cerca de trinta gramas.
A mãe entregou-lhe sem discutir e
ele partiu.
Pelo caminho, encontrou um homem
que levava um cão para vender.
— Não podia ser eu o comprador do
cachorro? Perguntou-lhe o menino, que gostava muito de animais e temia que
aquele fosse cair nas mãos de um mal patrão.
Mas o homem respondeu:
— Não creio, porque este cachorro
custa um asuane de pó de ouro.
— Grande coisa! Aqui está o pó de
ouro.
E o menino ficou com o cão e
voltou para casa.
A mãe
admirou-se muito quando o viu de volta tão cedo e, ainda por cima, trazendo um
cão.
— Por que não
foi até a aldeia à beira mar para comprar sal, como disse?
— Porque, com
o pó de ouro, o que comprei foi o cachorro.
Tomada de
surpresa a mãe não encontrou palavras para objetar. Resignou-se, quer a perda
do pó de ouro, quer a presença do cão, que seguia o dono como se fosse sua
própria sombra.
— Passou-se
algum tempo até que, certo dia, o menino disse de novo à mãe:
— Mãe,
peço-lhe me dê mais um pouco de pó de ouro. Tenciono comprar mercadorias para
me dedicar e ver se ganho o suficiente para lhe garantir uma velhice tranqüila.
— Espero que
você não torne a fazer o mesmo que da outra vez!
— Garanto que
não. Dê-me dois asuanes e ficará satisfeita comigo.
A mulher
suspirou, resignada, e entregou ao filho o pó de ouro.
Ele, todo
feliz pôs-se a caminho. Desta vez, ia decidido e ninguém iria demovê-lo de seu
propósito: empregaria o dinheiro de maneira a fazê-lo render o dobro. Absorto
nesses pensamentos, caminhara até uma certa distância de casa, quando deu de
cara com um homem que levava ao colo um gato. Era o gato mais lindo que já vira
e seus miados aflitos foram-lhe direto ao coração. Comovido, esqueceu num
instante seus bons propósitos.
— Homem, quer
vender-me esse gato? Propôs num impulso irresistível.
— Não,
sirvo-me dele para comer os ratos que andam lá por casa. De mais a mais, você
não poderia comprá-lo.
— O que o faz pensar
que não posso?
— O preço é
alto e você é uma criança; e, como todas as crianças, não há de ter muito
dinheiro.
— Quanto pede
por ele?
— Dois asuanes
de pó de ouro.
— Aqui tem o
pó de ouro: dê-me o gato.
Mortificado
por ter desperdiçado tão depressa o seu dinheiro, o menino não encontrava jeito
de voltar para casa. Bastava olhar para a carinha do gato e já voltava a
sentir-se feliz.
Por fim,
depois de muito hesitar, decidiu-se. A mãe, como da outra vez, surpreendeu-se
por tê-lo de volta tão cedo. Ele teve de lhe dizer:
— Vi um
gatinho tão lindo que não pude deixar de comprá-lo.
A mãe
lançou-lhe um olhar de reprovação e exclamou:
— Filho
ingrato! O que foi fazer?! Bem sabe que temos pouco dinheiro!
Porém, como já
não havia remédio, mais uma vez resignou-se.
Passaram-se
quarenta dias. E o menino, que estava ansioso por trabalhar, começou a dizer:
— Mãe, dê-me
três asuanes de pó de ouro, que desta vez vou entrar para o comércio e todas as
suas privações serão recompensadas.
— O dinheiro
que eu tinha foi gasto: só me restam três asuanes, queixou-se ela, com
tristeza.
Entregou-lhos,
no entanto.
— Não se
preocupe! Tranqüilizou o menino.
Na manhã
seguinte, ao raiar do dia, tomou sua trouxa e o pó de ouro e pôs-se a caminho.
Ia bem perto
de casa ainda, quando encontrou um caçador, que tinha na mão um pombo. Temeroso
de que fosse acabar assado, o menino pensou em adquirir, e de poupar-lhe um fim
tão trágico.
— Mas eu não
quero vendê-lo, dizia o caçador.
— Peço-lhe,
por favor, que me dê esse pombo.
— Você nem ao
menos poderia comprá-lo, que ele vale muito.
— Quanto?
— Três asuanes
de pó de ouro.
— Aqui tem o
pó de ouro: dê-me o pombo.
Naturalmente,
ao vê-lo chegar, a mãe ergueu desesperada os braços ao céu, bradando:
— Desta vez,
estamos completamente arruinados!
O filho
acabrunhou-se muito com o desespero da mãe e prometeu a si próprio que havia de
encontrar um meio de recompensá-la de todos os sacrifícios que por ele fizera.
Certo dia,
sentara-se a meditar, tristonho e cismarento, na soleira da porta. O pombo foi
pousar em seu ombro.
— Acu, escuta!
O menino
espantou-se, ao ouvir o pombo falando. E, ainda por cima, chamando-o pelo nome!
Mas o pássaro não lhe deu tempo para pedir explicações.
— Quero que
saiba, Acu, prosseguiu, falando-lhe ao ouvido, que eu, lá na minha terra, era o
chefe mais poderoso. Estava me preparando para uma longa viagem, quando aquele
caçador que você viu fez-me prisioneiro. E ter-me-ia matado, se você não me
comprasse. Agora, peço-lhe que, por favor, leve-me de volta a minha aldeia. Terá
a gratidão de todo o meu povo.
Acu
mantinha-se na desconfiança.
— Para mim,
isso tudo é mentira. Está me contando essas lorotas por que o que quer é fugir
daqui.
— Se não
acredita em mim, prenda uma corda à minha pata e não me largue.
Assim fez Acu.
Acompanhou-o passo a passo até sua aldeia, tendo-o seguro por uma pata,
amarrada a uma corda bem comprida.
Ao avistarem a
primeira casa da aldeia, foram vistos por duas crianças que por ali se
entretinham com suas bolinhas de gude. Correram ao encontro do pombo, gritando:
— O chefe
voltou! O chefe voltou!
Todos os
homens e todas as mulheres da aldeia saíram de suas casas e, vendo Acu e o
pombo, correram-lhes ao encontro.
Ao saber que Acu,
para salvar o pássaro, entregara o último pó de ouro que possuía e que o
acolhera em sua casa como a um amigo, todos, jovens e velhos, agradeceram-lhe
de coração. E, seguindo o exemplo da rainha mãe, deram-lhe, cada qual, um
saquinho de pó de ouro. O mais velho da tribo, além disso,
tirou do dedo um anel e lho entregou, dizendo:
— Tome este
anel. Qualquer que seja o desejo formulado terá poderes para satisfazê-lo.
Chegado o
momento da partida, Acu despediu-se do pombo e de seu povo, recolheu todo o pó
de ouro e pôs-se a caminho da aldeia.
A mãe
aguardava-o a porta e recebeu-o com estas palavras:
— Bem vindo
seja, meu filho!
E ele, todo
feliz, mostrou-lhe o pó de ouro e o anel.
— Agora, quero
por à prova o poder deste anel, disse.
Saiu de casa e
embrenhou-se pela mata adentro até que chegou ao coração da floresta, onde as árvores
eram mais altas e copadas. Então, colocou o anel no chão e ordenou:
— Anel, livre
esta zona que me cerca de toda vegetação.
E logo as
árvores tombaram por terra, desenraizadas.
Acu voltou a
ordenar:
— Anel, junte
e queime, agora, tudo o que você extirpou.
Num abrir e
fechar de olhos, as árvores e os arbustos amontoaram-se no meio da clareira
recém aberta e incendiaram-se.
Por fim, Acu
ordenou:
— Anel,
construa agora muitas casas e chame muita gente para habitá-las.
Como que por
encanto surgiram do solo muitas casas bonitas e logo uma população de gente
jovem e forte veio ocupá-las.
Radiante de alegria, Acu nomeou a
mãe rainha da nova cidade. E ele ficou sendo chefe da nova tribo.
Não muito
longe da cidade de Acu, morava o chefe Ananse, aos ouvidos de quem chegou
notícia daquela cidade privilegiada, prodigiosamente surgida no coração da
floresta. Cheio de curiosidade, resolveu visitar Acu, para certificar-se
pessoalmente daquele milagre.
Depois de
muitas gentilezas, disse-lhe, todo sorridente:
— Lembro-me de
quando você não passava de um menino muito pobre. Como e por que foi que sua
sorte mudou tanto?
Acu, que era
simples e sincero, contou-lhe toda história. E o visitante, invejoso, passou a
cobiçar-lhe o poderoso anel. Soube, porém, dissimular perfeitamente seus
sentimentos: despediu-se de Acu com inúmeras expressões de simpatia e voltou
para sua aldeia.
O chefe Ananse
tinha um sobrinho, que vivia com ele. Assim que chegou de viagem chamou-o para
lhe dizer:
— Quero que se
prepare para partir para cidade de Acu. Vai levar-lhe de presente este vinho
branco. Trate de granjear sua amizade e, então, sem que ninguém veja, roube-lhe
o anel.
O rapaz
obedeceu. Apresentou-se a Acu oferecendo-lhe o vinho que o tio lhe mandava de
presente. Acu agradeceu e convidou-o a hospedar-se em sua casa por três dias.
O outro
aceitou de bom grado. Naqueles três dias, conseguiu ganhar a confiança absoluta
de Acu, tanto assim que este, na manhã do último dia, ao sair para o banho,
tirou o anel e o deixou sobre a mesa.
Seu hóspede
não perdeu tempo. Nem bem se pilhou só, apanhou o anel e abandonou a toda
pressa o palácio, com destino à cidade do tio.
Ao ver-se de
posse do anel, Ananse ordenou-lhe imediatamente que construísse uma cidade mais
vasta e mais bela do que a de Acu. E, vendo satisfeito o seu desejo, sentiu-se
feliz.
Entrementes,
Acu, de volta do banho, dera pela falta do anel e do hóspede. Preocupado, fora
consultar o gênio da floresta.
— Ananse
mandou o sobrinho à sua casa exclusivamente para roubar. O rapaz fugiu, levando
seu anel, e o tio fez surgir uma cidade mais vasta e mais bela do que a sua.
— Sinto muito
por ter sido enganado... Mas, como poderia recuperar o meu anel? Perguntou Acu.
— Tem de
mandar à cidade de Ananse seu cão Ocranan e seu gato Ocra. Somente eles poderão
trazê-lo de volta.
Acu voltou às
carreiras para casa e chamou o cão e o gato, a fim de prepará-los para a
expedição.
Nesse ínterim,
porém, Ananse fora também, consultar o gênio e ficara sabendo que Acu dera
instruções ao cão Ocranan e ao gato Ocra para que fossem em busca do anel.
Sem perda de
tempo, providenciou uma porção de carne moída à qual misturou certo pozinho que
tinha o poder de adormecer a quem dele provasse. E espalhou a carne pelo
caminho que iriam percorrer o cão e o gato.
O gato Ocra e
o cão Ocranan tinham-se posto já a caminho e tinham chegado à encruzilhada,
onde a estrada se bifurcava. Sentiram ambos o cheiro de carne, fartamente
esparramada na senda da esquerda.
Aquilo
despertou logo a desconfiança do gato, ladino como ele só.
— Não me fio,
não; vamos pelo caminho da direita.
O cão, porém,
teimoso, atraído pela carne, tomou o da esquerda e atirou-se a ela com
sofreguidão. Devorou-a em meia dúzia de bocados e caiu adormecido.
Nesse meio
tempo, chegou o gato à cidade de Ananse e introduziu-se no quarto onde dormia o
chefe. Sobre a mesa, num escrínio, estava o anel.
Ocra
escondeu-se num canto e ficou à espera do momento oportuno. Vendo passar um
ratinho, de um só pulo, o agarrou.
— Não me mate,
implorava o animalzinho.
— Não o mato se
me fizer um favor.
— Como não,
até dois! Diga logo!
— Vê aquela
caixinha ali em cima da mesa? Ananse esconde nela um anel que pertence a meu
amo. Se for buscá-lo e o trouxer até aqui, está livre.
— Vou já!
De fato, o
ratinho trepou na mesa e, sem perda de tempo, pôs-se à obra: roeu uma das
paredes da caixa. Num instante, abriu um buraco tão grande, que entrou por ele
com toda a facilidade. Pegou o anel e foi entregá-lo ao gato.
— Está livre,
pode ir. Agradeço-lhe o favor que me fez, disse-lhe Ocra.
E saiu
correndo, levando o anel. Em dois tempos, chegou ao local onde o cão se
detivera e foi encontrá-lo ainda meio entorpecido.
— Como está?
perguntou-lhe. E o que é feito de toda a carne que estava aqui?
— Não sei de
nada, respondeu o cachorro. De minha parte, só agora estou me recobrando do mal
estar que me acometeu.
O gato fingiu
acreditar. E o cachorro, por sua vez, interrogou-o a respeito do paradeiro do
anel. Ao saber que o gato o havia recuperado, disse:
— O rio que
temos de atravessar está em plena enchente; como você deve atravessá-lo de um
salto, pode acontecer que perca o impulso e deixe cair o anel; ao passo que eu,
sendo bom nadador, podia encarregar-me de transportá-lo.
Assim falando,
chegaram à margem do rio e o cachorro, com o anel na boca, atirou-se à água e
saiu nadando. Quanto ao gato, de um pulo alcançou a margem oposta e ficou à
espera do companheiro.
O cão, pelo
contrário, nem bem chegara a meio caminho, e já se sentia cansado. Abriu a boca
para tomar fôlego e deixou cair nágua o anel. Quando chegou à margem, o gato
perguntou-lhe por ele. E Ocranan, muito desenxabido, teve de admitir que fora
parar no fundo do rio.
Imediatamente,
o gato mergulhou nágua. Foi direto ao fundo do rio e, avistando um peixão,
agarrou-o pelo rabo.
— Sabe, por
acaso de um anel caído há pouquinho neste rio? perguntou-lhe.
O peixe abriu
a boca e depositou na margem o anel.
Já nas
proximidades da cidade de Acu, Ocranan, o cachorro, implorou a Ocra, o gato,
que nada dissesse ao dono, de suas peripécias.
Todavia, ao
chegarem em casa, saiu em disparada ao encontro de Acu e acusou o gato de todas
as cretinices que ele próprio cometera.
Trabalho
inútil, pois Acu já fora informado pelo gênio da floresta do que se passara.
Por isso, disse:
— Você é um
cão mentiroso. O que me conta como sendo bravura sua foi o gato quem fez. Por
conseguinte, de hoje em diante guardarei o gato comigo aqui em casa e você,
cão, ficará lá fora ao relento, exposto ao frio da noite.
Assim foi
feito e assim acontece ainda hoje a todos os gatos, descendentes do gato Ocra e a
todos os cachorros descendentes do cachorro Ocranan.
BIBLIOGRAFIA
Texto e imagens transcritos de:
FREIRE, Plinio Jucá. Fantasia Colorida da Criança. Ed. Focus, São Paulo-SP. 1990
Ps. Minha filha sempre adorou ouvir fábulas dessa enciclopédia. Adorava ouvir e ver as imagens. Imagino seus elaboradores fazendo tudo caprichosamente. Espero que mães e pais ainda se empolguem em comprar e em ler Fantasia Colodria da Criança para seus pequenos amores e futuros leitores!
Ps. Minha filha sempre adorou ouvir fábulas dessa enciclopédia. Adorava ouvir e ver as imagens. Imagino seus elaboradores fazendo tudo caprichosamente. Espero que mães e pais ainda se empolguem em comprar e em ler Fantasia Colodria da Criança para seus pequenos amores e futuros leitores!
Poucas colecoes lancadas no Brasil tiveram o esmero em sua preparacao como esta. Historias escritas em um portugues impecavel e uma apresentacao magnifica. Lembro com saudades quando meu pai lia as historas dessa colecao para nos antes de dormir. Infelizmente nao lembro como perdemos os livros mas e algo realmente precioso. Ha decadas nao lia essa historia e agradeco por compartilhar.
ResponderExcluirAhhh... tenho essa coleção... li e reli tantas vezes na minha infância e adolescência... achei esse texto hoje, justamente por ter lembrado da história do gato Ocra ...
ResponderExcluirboa noite, ainda tem? o reino colorido da criança? não pensa em postar as historias? queria a da diligência dos doze meses, fico grata
ExcluirQuando ocorre a história??
ResponderExcluirMe ajuda por favorrrrr
ResponderExcluirOlá meu nome é Pedro Teixeira omoplata VC me ajudar
ResponderExcluirmuito bom o texto me ajudou muito obrigado
ResponderExcluirobrigada pela postagem. Tem como publicar a diligencia dos doze meses?
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